Tempo de tela: segurança digital

Em todo lugar e a qualquer momento, elas podem ser acessadas em celulares, TVs, computadores, tablets, videogames… As telas dos dispositivos digitais invadiram a nossa rotina, incluindo a de crianças e adolescentes. Como está o tempo de tela do seu filho?

Em 2022, 92% desse público, entre 9 e 17 anos, cerca de 24 milhões, já eram usuários de internet no país, de acordo com a nova edição da TIC Kids Online Brasil, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Dos usuários de internet, 86% possuem perfis em redes sociais, um recorte de, aproximadamente, 21 milhões de pessoas.

Outro dado surpreendente revelado por essa pesquisa é que mais da metade (56%) das crianças e adolescentes usam a internet sem limitação de tempo determinada pelos responsáveis. Isso preocupa pais e especialistas, porque hoje existem evidências de graves consequências prejudiciais à saúde deles pelo uso desenfreado das telas, envolvendo aspectos emocionais, físicos, sociais e até neurológicos, o que pode afetar o desenvolvimento do cérebro e da concentração.

O psicoterapeuta de famílias Leo Fraiman alerta para os riscos de se deixar crianças e adolescentes ficarem horas e horas diante de telas nas refeições, nos passeios e até na mesa de jantar, na cama, no banheiro e na escola. “Muitos dos aparatos eletrônicos das telas são desenhados para viciar. Musiquinhas, avatares, personagens, toda uma gamificação que motiva o cérebro a procurar, cada vez mais, doses daquilo que produz dopamina, ou seja, a sensação de prazer, gerando o vício. É preciso que um pai ou uma mãe se esforce muito para criar uma cultura em que o filho tenha um uso cuidadoso das telas”, afirma ele, que também é escritor e palestrante e conta com mais de 1 milhão de seguidores nas redes sociais, retratando o uso consciente da tecnologia por crianças e adolescentes.

Monitoração do tempo de tela

E se é difícil limitar as horas de uso de internet por crianças e adolescentes hoje em dia, outro desafio para os responsáveis é cuidar dos conteúdos a que eles têm acesso e as interações que fazem no ambiente digital. Um estudo encomendado pelo Google à consultoria Nielsen, cujos dados foram apresentados em agosto deste ano, mostra que, apesar de se preocuparem com o tipo de conteúdo que acessam, são poucos os pais que recorrem a recursos tecnológicos para monitorar a navegação dos filhos: apenas 17% afirmaram que usam alguma ferramenta on-line de controle parental. Enquanto isso, a pesquisa do CGI.br registrou que 33% dos usuários de internet, de 9 a 17 anos, reportaram ter acontecido algo na web de que não gostaram, os ofenderam ou chatearam.

O especialista PROTESTE Thiago Porto ressalta que predadores de todos os tipos, inclusive sexuais, podem perseguir crianças e adolescentes na internet, abusando de sua confiança e chegando a persuadi-los a encontros presenciais, o que é extremamente perigoso. “Esses aliciadores agem nas redes sociais e em sites de jogos atraentes, em que também acontecem muitos dos casos de bullying virtual – o cyberbullying. Ali, exploram não só a inocência infantil, mas também a sua imaginação. ‘Vamos fingir’ é uma parte comum e saudável dos jogos e da interação on-line, mas os predadores usam essa fantasia como um gancho para atrair as crianças. Jogos muito conhecidos, como Free Fire, PubG, Battleground e Fortnite, são exemplos”, explica.

Thiago enfatiza também que é importante evitar que crianças usem redes sociais: “A maioria das plataformas estipula uma idade mínima de 13 anos, algumas são até de 17 anos, como o Twitter (X), mas não existem muitos mecanismos para verificação da idade”.

E para ajudar você a encontrar os caminhos de equilíbrio e responsabilidade do uso das telas por crianças e adolescentes, trazemos, nas próximas páginas, dicas para proteger dispositivos, rastrear celulares e uma seleção de apps com qualidade de conteúdo para auxiliar os estudos, além de orientações de especialistas e iniciativas de pais para proteger os filhos dessa invasão do mundo digital.

Maioria tem o seu próprio celular

O levantamento Google/Nielsen confirmou também que a conexão das crianças e adolescentes com as plataformas digitais é cada vez maior. De acordo com a pesquisa, 78% dos pais entrevistados afirmaram que os filhos têm seus próprios celulares (veja quadro ao lado). Esse índice é maior na região Sudeste do país (82%) e menor na Norte (69%).

E, por isso, falar sobre as consequências já constatadas pelo uso excessivo das telas é essencial. “Do ponto de vista físico, há associações com o sedentarismo, porque não se larga a tela para comer, o que pode causar a má-nutrição pelo consumo de alimentos inadequados; o uso de telas à noite diminui a qualidade do sono e a produção do hormônio do crescimento (o GH, Growth Hormone). Então, sim, a gente corre risco de ter até menor estatura; e ainda há muitos casos de miopia”, alerta o psicoterapeuta.

Em relação aos aspectos emocionais, Fraiman ressalta a diminuição da qualidade de relações humanas por causa da prática frequente numa tela: “Quando não gosto de algo, acelero; quando não gosto de alguém, deixo de seguir; quando me incomodo com algum conteúdo, mudo. Isso acaba gerando impaciência, irritabilidade, intolerância, frustração, ansiedade. E na adolescência, cada vez mais, há evidências de que algumas redes sociais causam sensação de inadequação, diminuindo a autoestima e aumentando a depressão”.

Linguagem, atenção e QI

Os prejuízos vão além quando se referem aos aspectos neurológicos. No best-seller A Fábrica de Cretinos Digitais, o neurocientista francês Michel Desmurget apresenta dados concretos de como os dispositivos digitais estão afetando o desenvolvimento neural de crianças e jovens. Observou-se que o tempo gasto em frente a uma tela para fins recreativos atrasa a maturação anatômica e funcional do cérebro em várias redes cognitivas relacionadas à linguagem e à atenção. Desmurget explica que o cérebro pode ser comparado a uma massa de modelar. No início, é úmida e fácil de esculpir. Mas, com o tempo, fica mais seca e muito mais difícil de modelar.

Estudos têm mostrado também que quando o uso de TV ou videogame aumenta, o QI (Quociente de Inteligência) e o desenvolvimento cognitivo diminuem. Desmurget afirma que os jovens de hoje são a primeira geração da história com um QI mais baixo do que a dos pais, em países onde fatores socioeconômicos têm sido estáveis por décadas, como Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda e França.

Fraiman reforça que há estudiosos apontando para os riscos de uma “demência digital”. Mas o que significa isso? “É a dificuldade ou a incapacidade de prestar atenção, concentrar, aprender e memorizar. Durante a infância e a adolescência, existem janelas de oportunidades de aprendizagem e precisamos aproveitar essas etapas para uma boa alfabetização emocional, bom autoconhecimento, socialização, desenvolvimento da motrocidade, além do aprendizado advindo de leitura, contato com a natureza, expansão de conexões e troca de ideias entre pares, por exemplo”.

Reflexos em políticas públicas no tempo de tela

Esses impactos das telas na aprendizagem e na concentração dos estudantes têm levado alguns países a proibir e a adotar políticas sobre o uso do celular em salas de aula. O Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), confirma os prejuízos e revela: os smartphones já foram banidos total ou parcialmente no México, em Portugal, na Espanha, na Suíça, nos Estados Unidos, na Letônia, na Escócia e em províncias do Canadá. Na França, por exemplo, apesar da proibição, o aparelho pode ser usado por certos grupos de alunos, como os com deficiências, ou quando está claro o uso pedagógico.

Países asiáticos e africanos são os que mais têm leis sobre o tema, como Uzbequistão e Guiné. Em Bangladesh, nem os professores podem usar o aparelho. Na China, as novas normas vão além: menores de 18 anos não podem utilizar celulares entre 22h e 6h. Crianças com menos de oito anos podem ficar conectadas por apenas 40 minutos e os jovens, de 16 e 17 anos, por duas horas diárias. É comum que as empresas na China sejam responsabilizadas por implementar esse tipo de regulação do governo, como aconteceu com as regras para restringir o acesso a videogames em 2021.

No Brasil, escolas particulares têm regras próprias sobre o uso de celulares, permitindo ou não, de acordo com a utilização e a idade do aluno. No Rio, após a divulgação do relatório da Unesco em agosto, o prefeito Eduardo Paes decretou a proibição do uso de celulares nas salas de aula das escolas municipais.

Mas quais são os caminhos?

Para o educador parental Marcus Simas, que é autor do perfil no Instagram Faculdade do Papai e ajuda milhares de famílias com interesse em aprender mais sobre o desenvolvimento físico e emocional da criança, uma orientação desde cedo com limites claros fará mais sentido no futuro, protegendo o adolescente das armadilhas do mundo digital. “É importante conversar e explicar para a criança o porquê de não poder assistir a tal conteúdo ou usar a tecnologia naquele horário, falar sobre tudo de ‘ruim’ que isso pode trazer para ela e reforçar os combinados”, orienta ele, que é pai de Cecília, de 6 anos, e Matias, de 2.

Fazer combinados, na opinião de Simas, é uma ótima ferramenta para colocar tudo isso na prática, porque a criança se sente parte da decisão, e isso facilita na hora de cumpri-los. “Use um quadro de combinados, horários e tempo de uso”, diz. A picopedagoga Érica Fragoso, mãe dos gêmeos João e André, de 14 anos, coloca essas instruções em prática: “Eu trabalho em dois lugares. Então, tenho tentado monitorar a rotina dos meus filhos, colocando uma lista de tarefas na estante deles para fazerem após o colégio, como lavar a louça, dar a comida aos dois cães e estudar durante uma hora sobre a matéria dada naquele dia”.

Fraiman concorda, mas lembra que a dica de ouro para que crianças e adolescentes tenham uso saudável de telas é, essencialmente, ter pais e mães que não tenham medo de impor limites. Em relação aos combinados, aconselha que o conjunto de regras na casa deve valer para todos. “Por exemplo, ‘aqui em casa, a gente não usa a tela nas refeições; durante esse passeio, ninguém vai pegar o celular; uma hora antes de dormir, nós vamos desligar o celular; e por aí vai’. Se não há um conjunto de regras e combinados que valham para todos, é quase impossível a criança aceitar esse tipo de limitação hoje em dia”.

A psicóloga Amanda Figueira, mãe de Tom, de 9 anos, Chico, de 6, e Maya, de 3, e o marido, Leonardo Valladares, por exemplo, sempre tentam ir com os filhos em restaurantes com área kids ou aberta e optam por atividades ao ar livre em pracinhas e parques para se desconectarem da tecnologia. “Eles não têm celular. Vamos segurar até onde der. Só no Natal passado é que o Tom ganhou um videogame, mas joga apenas nos fins de semana, e com tempo estabelecido”, conta.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) indica o limite de tempo para crianças e adolescentes estarem em contato com telas, de acordo com a idade (confira abaixo). Porém, o mundo ideal, muitas vezes, acaba ficando longe do real. A empreendedora Danielle Bevilaqua percebeu que seu filho Pietro, de 12 anos, já acordava nos fins de semana e começava a jogar no celular. “Se não o tirasse dali, ele ficava o dia inteirinho e não queria mais sair de casa. Então, passei a usar o app Family Link para monitorar os jogos que ele baixa e o tempo que utiliza, e isso tem me ajudado porque acaba buscando outras alternativas de distração”, conta.

Nosso especialista PROTESTE Thiago Porto testou esse app baixando-o em um aparelho para controlar outro (veja quadro na pág. 16). “É possível travar conteúdos do Chrome, como sites explícitos e impedir o download de apps que estejam fora da faixa etária indicada. Porém, há aplicativos que têm conteúdos impróprios internalizados, como redes sociais. Nesse caso, identifique se o app pode dar acesso a esse tipo de conteúdo antes de permitir o download”, orienta.

Thiago ressalta que, ao escolher um app para crianças e adolescentes, por exemplo, os que estão no quadro ao lado para auxiliarem nos estudos, é importante sempre verificar a classificação indicativa de idade, os comentários de usuários e se existe alguma indicação do sistema operacional, como o selo de “Aprovado por professores”, usado pelo Playstore.

‘Distúrbio de games’ é doença

Para que pais possam descobrir a hora de procurar ajuda profissional, é fundamental atentar aos sinais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu formalmente, em 2022, o vício em videogames e jogos eletrônicos como uma doença, o “distúrbio de games” (gaming disorder), apontando que o transtorno mental afeta de 2% a 3% dos usuários de videogames. Inclusive, já há clínicas para tratamento de dependência tecnológica no Brasil.

Segundo Fraiman, pais e responsáveis devem observar, por exemplo, indícios de irritabilidade quando é imposto limite de tela, procura pelo aparelho assim que acorda, redução das notas da escola, conversas o tempo todo com o celular, falta de interação presencial, olheiras pela madrugada na tela, necessidade de levar o aparelho até no banheiro. “Este é o momento de conversar com um psicólogo, mas não apenas a criança ou o adolescente, e sim toda a família para ter a orientação e mudar hábitos. Dependendo do nível do vício, a participação de um psiquiatra é necessária”.

E se o uso das telas leva muitos jovens a sonharem em se tornar atletas de e-Sports, o psicoterapeuta é categórico e deixa aqui uma reflexão para os responsáveis: “Eu vejo com olhos preocupantes essa ideia em uma fase de pleno desenvolvimento, distanciando-os tanto daquilo que traz saúde física, mental, emocional, social e até espiritual”.

Proteja dispositivos

Esses controles devem ser feitos com conhecimento e de acordo entre responsáveis e crianças e adolescentes.

Google Family Link, no Android

Com ele, os pais podem definir limites de tempo de uso e proteger a privacidade e a conta do filho. Outras opções também estão disponíveis, como ver onde o menor está no Google Maps, receber notificações e alertas.

• Baixe o app Google Family Link, disponível na Play Store, no celular Android do responsável;
• Crie uma conta gmail para a criança ou adolescente e deixe ela ativa no aparelho dele (a conta é necessária para que o app funcione no smartphone dos pais);
• Após isso, abra as configurações no celular da criança ou adolescente;
• Acesse “Google”;
• Depois, “Controle dos pais”;
• E siga as etapas para configurar o monitoramento.

Função nativa no iOS

• No celular do menor, acesse “Ajustes”;
• Ative tempo de uso;
• Depois, clique em “Este dispositivo é de uma criança”;
• Crie um código de acesso para ativar;
• Selecione “Conteúdo e privacidade”;
• Insira o código e ative a opção “Restrições de privacidade e conteúdo”.

Outros apps:

• AppBlock: bloqueia apps e sites, determinando tempo e limite de uso e fornecendo estatisticas de utilização;
• Kids60 (no celular dos pais) e Alli360 (no celular da criança): cria um espaço infantil seguro com limitador de tempo;
• Airdroid parental control: tem espelhamento de tela e controle de câmera e microfone em tempo real.

Rastreadores de celular

Eles permitem que os pais acompanhem a localização dos filhos em tempo real.

• Life360: conecta o usuário a pessoas, como amigos e familiares. Seu círculo consegue ver a sua localização em tempo real e recebe alertas quando saem de casa ou do lugar onde estavam.
• Compartilhamento familiar (iOS): disponível em Ajustes > [Nome] > Compartilhamento familiar > Localização. Selecione o nome do membro da família com quem deseja compartilhar a localização.
• App Buscar (iOS): também é possível compartilhar diretamente no app Buscar, selecionando Pessoas, clicando no “+” e em Compartilhar minha localização. Escolha o contato com quem deseja compartilhar a localização, clique em enviar e selecione o tempo que deseja compartilhar.
• WhatsApp: a função é limitada a 15 minutos, uma hora e oito horas. Abra a conversa com quem deseja compartilhar a localização, clique no “+” e em Localização, depois em “Localização em tempo real” e escolha por quanto tempo o compartilhamento.
  Google maps: vá no menu e em “Compartilhar local”, que dá a opção da quantidade de horas específicas.

Qualidade no tempo de tela: 10 apps

Veja opções que podem auxiliar os estudos de crianças e adolescentes, se monitorados e usados de forma adequada:

Crianças

• Ler e contar (Apps Bergman): ajuda crianças a soletrar, aprender vogais, consoantes, contar e muito mais. Para aquelas que estão começando a escrever, é um ótimo meio para o aprendizado.
• Aprenda brincando (Sunny Kids Games): jogos do tipo quebra-cabeça e de colorir, entre outros.
• ANTON – Ensino fundamental: conteúdo alinhado com o currículo escolar, com disciplinas do 1º e 2º ano do ensino fundamental (matemática, inglês e alemão).
• Inglês para crianças (LangsForKids): ensina inglês de forma fácil e divertida, usando como tópicos alfabetos, números, cores, formas, frutas, vegetais, etc.
• LogicLike – Jogos educativos (LogicLike): com as temáticas lógica e matemática, países, jogos de palavras, curiosidades, arte, entre outros, ajuda a desenvolver o raciocínio lógico.

Adolescentes

• Codar (MIMO): com poucos minutos por dia, os alunos podem aprender a programar HTML, Python, Javascript e mais. O app faz desafios de programação e ensina de forma diferenciada, além de poder criar um portfólio e obter certificado do aprendizado.
• Trello (Trello): ótimo aplicativo para organizar as tarefas dos estudos, adicionando calendário e fazendo checklist com todos os capítulos e exercícios que o aluno precisa terminar.
• Photomath (Photomath): para quem tem dificuldade com matemática, esse app dá o resultado final e mostra o passo a passo até a resolução.
• Kahoot! (Kahoot!): app para jogar e criar quizzes. É possível estudar sobre assuntos respondendo a perguntas sobre um tema específico.
• Words of wonders – Cruzamento (Fugo Games): um jogo de palavras cruzadas para melhorar as habilidades de vocabulário, soletração e ortografia.

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