Pela primeira vez, filhos têm Q.I. menor que o dos pais: entenda a mudança
A geração atual está passando por uma diminuição do Q.I., muito relacionado ao uso dos meios digitais
Pela primeira vez na história, a geração atual está com um Q.I. mais baixo que a anterior. É isso que comprova o livro “Fábrica de Cretinos Digitais”, do neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França. Em sua obra, ele mostra, com fatos concretos, como os dispositivos digitais estão afetando seriamente o desenvolvimento neural de crianças e jovens.
Aqui no Brasil, pesquisas vão de encontro com o livro francês. De acordo com dados divulgados este ano pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais da metade (54,3%) dos alunos brasileiros de 15 anos apresentou um baixo nível de criatividade ao tentar solucionar problemas sociais e científicos apresentados em uma prova internacional de conhecimentos. Entre os 56 países que participaram da prova, chamada Pisa (sigla em inglês para “Programa Internacional de Avaliação de Estudantes”), o Brasil ocupou a 44° posição.
Por coincidência ou não, quando falamos de tempo do dia dedicado ao celular, o Brasil sobe no ranking. Segundo um levantamento feito pela plataforma Eletronics Hub, um site de informações eletrônicas, a partir da pesquisa Digital 2023:Global Overview Report, da DataReportal, os brasileiros gastam, em média, metade do tempo que ficam acordados em frente às telas. São cerca de nove horas por dia, ou seja, 56,6% das horas acordadas em frente a celulares, computadores, televisões, etc. Esses números nos transforma no segundo país que mais gasta tempo do dia nas telas, entre aqueles que participaram do estudo.
Mas, afinal, será que o acesso aos meios digitais é o único culpado pela diminuição do Q.I. desta geração em relação à atual? Até que ponto as telas estão, de fato, interferindo na inteligência e capacidade criativa das nossas crianças e adolescentes? E, mais do que isso, como melhorar essa situação?
“O efeito Flynn reverso, que se refere ao declínio dos escores de Q.I. em algumas populações, tem sido observado em alguns países com informações disponíveis para estudo. No entanto, a análise ainda é limitada devido à falta de dados populacionais abrangentes. Ainda não é conclusivo quais fatores específicos levaram ao declínio do Q.I. geral da população. Fatores como mudanças no sistema educacional, alterações na nutrição e exposição a tecnologias digitais são hipóteses, mas mais estudos e dados são necessários para uma compreensão mais robusta”, explica Carla Cavalheiro Moura, coordenadora do grupo de dependências tecnológicas do Pro Amiti IPq HCFMUSP.
Os meios digitais e a diminuição do Q.I.
Apesar de ainda ser muito cedo para ter comprovações concretas, profissionais da área apontam que sim, os meios digitais podem influenciar para a queda do Q.I. da população. Em uma entrevista dada à Globo sobre o lançamento do seu livro, Michel Desmurget aponta uma curiosidade um tanto quanto inquietante sobre essas mudanças.
Assim como explicado por Carla Cavalheiro Moura, ele ressalta que essa mudança no Q.I. populacional pode vir a partir de diversos aspectos e que é muito cedo para dar certezas. Apesar disso, ele exemplifica as situações vividas em locais como Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França, entre outros.
“É verdade que o Q.I. é fortemente afetado por fatores como o sistema de saúde, o sistema escolar, a nutrição, etc. Mas se considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante estáveis por décadas, o ‘efeito Flynn’ começa a diminuir. Nesses países, os “nativos digitais” são os primeiros filhos a ter Q.I. inferior ao dos pais. É uma tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França, etc”, explicou o autor, na entrevista à Globo.
Para Carla, existem diferentes formas de lidar e olhar, hoje, para a influência das redes sociais na diminuição do Q.I. “As redes sociais, inevitavelmente fazem parte do nosso dia a dia e não irão nos deixar tão cedo, portanto, devemos compreender, em sua totalidade, o que podemos extrair de melhor dessas ferramentas e o que devemos nos atentar com relação a perigos. Entre os benefícios, destaca-se a possibilidade de conexão com amigos e familiares, aumento e fácil acesso à rede de apoio, consumo de informações e notícias, além de oportunidades de networking profissional. As redes sociais também podem proporcionar apoio emocional e uma sensação de pertencimento a comunidades online”, explica.
“Por outro lado, os malefícios incluem o risco de vício e o impacto negativo na saúde mental, como ansiedade, depressão e baixa autoestima, frequentemente decorrentes de comparações sociais. O uso excessivo pode levar à diminuição da produtividade e à interferência na qualidade do sono. Além disso, a exposição constante a informações erradas ou exageradas pode gerar desinformação e conflitos interpessoais. É essencial encontrar um equilíbrio saudável para aproveitar os benefícios enquanto se minimizam os efeitos negativos”, pontua.
Como são feitos os testes de Q.I.?
Para entender mais sobre essa mudança de comportamento, é importante entender também o que é o Q.I. e como são feitos esses testes. A sigla para Quoeficiente de Inteligência serve para tentar medir, de formas mais gerais, dados sobre a capacidade mental das pessoas.
Vale ressaltar, no entanto, que essa não é a única forma de julgar a inteligência, apesar de ser a mais famosa delas. “Os testes que medem o Q.I. (Quociente de Inteligência) são compostos por um conjunto de avaliações que examinam diferentes habilidades cognitivas. Entre elas, podemos destacar índices de compreensão verbal, capacidade visuoespacial, raciocínio fluido, memória de trabalho e velocidade de processamento. Portanto, o Q.I. é uma média dessas diferentes habilidades”, explica Renato Gallo Neuropsicólogo Clínico Especialista em TCC.
Para chegar aos resultados, de tempos em tempos esses testes são atualizados, levando em consideração a mudança do comportamento da população.
“É importante notar que o Q.I. pode variar ao longo do tempo. Essa variação não se deve apenas ao desenvolvimento natural do cérebro, mas também ao contexto em que a pessoa se encontra. Por exemplo, durante episódios de depressão ou períodos de alta ansiedade, os resultados dos testes de Q.I. podem ser afetados, apresentando alterações quando comparados aos resultados obtidos em momentos de maior estabilidade emocional”, pontua o profissional.
Um bom exemplo de um período atípico foi o que vivemos há alguns anos, com a pandemia de covid-19. Pela mudança de comportamento e saúde mental da população no geral, ela pode ser considerada uma possível culpada para diminuição do Q.I. populacional.
“Para assegurar um bom funcionamento cognitivo, é essencial cuidar da nossa saúde física e mental. A tríade composta por sono, exercício físico e alimentação forma a base crucial para que nossas funções executivas operem de maneira adequada. Durante a pandemia, fomos privados de diversas atividades que ajudariam a manter esse funcionamento em equilíbrio”, explica o profissional.
“Além dessas limitações, outros fatores impactaram nossa saúde mental, como a diminuição da socialização, a falta de contato com a natureza, o aumento da convivência familiar e a intensificação da ansiedade. Esta última, em particular, é um grande fator de risco, pois pode reduzir a criatividade e a funcionalidade do indivíduo. Esses desafios tornaram ainda mais difícil a manutenção da nossa saúde mental durante esse período”, completa.
Revertendo a situação
Apesar dos dados sobre Q.I. não trazerem um cenário muito favorável para a geração atual, ainda é possível retomar as rédeas da situação. “Para reverter a situação que levou à diminuição dos níveis de Q.I. e criatividade na última geração, é fundamental adotar uma abordagem holística focada em restaurar e fortalecer os pilares da saúde física e mental. Isso inclui garantir um sono de qualidade, praticar exercícios físicos regularmente e manter uma alimentação balanceada”, reforça Carla Cavalheiro Moura.
Ela aponta que, além disso, é extremamente necessário incentivar a socialização e restabelecer um vínculo com a natureza, que ajudam a reduzir o estresse e aumentar o bem-estar emocional.
“Em relação ao uso de telas, é importante também fazer a psicoeducação sobre o tempo de uso e a função das ferramentas, utilizando com parcimônia e de forma que agregue para as tarefas do dia a dia. Essas medidas, combinadas, ajudarão a recuperar e potencializar as funções cognitivas e criativas afetadas pela pandemia e outros desafios recentes”, conclui.