Como educar as crianças num ambiente hiperconectado?
Acadêmicos de todo mundo se preocupam em como a tecnologia pode prejudicar a educação infantil e apontam estratégias
O ritmo frenético de interações das gerações mais jovens com as novas tecnologias tem se tornado um problema cada vez maior para os educadores. Nos últimos anos, pesquisadores de todo o mundo têm manifestado preocupações sobre o impacto das novas tecnologias. Por exemplo, os efeitos que smartphones e o hábito de consumir diferentes mídias simultaneamente podem ter sobre a capacidade de concentração de crianças e adolescentes no âmbito educacional.
Nativos digitais, os jovens das gerações Z (entre 10 e 24 anos de idade) e alpha (até 9 anos de idade) já nasceram em um mundo totalmente conectado. Assim, se mantêm num frenético ritmo de cliques e navegações, ditado por algoritmos, em aplicativos, sites e plataformas de streaming.
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Sinal de alerta
A BBC Brasil publicou recentemente um grande artigo sobre o assunto, com opiniões de diversos especialistas de áreas diferentes, ligadas à educação. E o sinal de alerta para pais e professores é claro.
“Há um conjunto crescente de evidências – que não ainda foram totalmente validadas e podem ser contestadas – de que a tecnologia, as redes sociais, o acesso instantâneo à internet e os smartphones prejudicam a capacidade das crianças de se concentrar. Estamos mudando a forma como crianças pensam e como seus cérebros se desenvolvem”, disse Jim Taylor, autor de Raising Generation Tech (“Criando a Geração Tech”), à BBC.
Falta de atenção dos adolescentes
Os problemas de concentração dos alunos é facilmente notado por professores no mundo todo. De acordo com a professora Laura Schad, o adolescente médio só consegue prestar atenção por cerca de 28 segundos.
Segundo ela, os smartphones claramente afetaram os cérebros em pleno desenvolvimento de seus alunos. Mas a professora aponta que falta treinamento dos educadores para lidar com essa nova realidade.
“Como a educação deve evoluir para atender alunos que são nativos digitais não foi algo tratado em minha formação profissional”, apontou Laura.
Leitura é a atividade mais prejudicada
Os efeitos da tecnologia ficam mais claros em uma das atividades escolares mais tradicionais: a leitura. As crianças hoje estão mais conectadas em aplicativos repletos de imagens como Instagram e Snapchat, por exemplo.
“Hoje, os alunos parecem achar especialmente exaustivo ler textos complexos ou longos sem fazer pausas constantes. No passado, os alunos pareciam estar acostumados a se dedicar a um texto por um longo período de tempo”, afirmou Erica Swift, professora do 6º ano de uma escola de Sacramento, nos Estados Unidos.
Segundo a professora, é fácil de perceber a falta de resistência dos alunos para textos mais densos.
“Eles pedem intervalos de descanso ou conversam com os colegas em vez de estudar. Alguns até mesmo desistem por completo de leituras mais longas”, completa Erica.
Capacidade de focar na lição
Segundo o autor Jim Taylor, o ato de prestar atenção tem não apenas um valor inerente. Mas funciona como porta de entrada para formas mais profundas de aprendizado,especialmente em termos de memória.
“Sem a capacidade de prestar atenção, crianças não conseguem processar informações. Eles não consolidam o conhecimento na memória, o que significa que não podem interpretar, analisar, resumir, criticar e chegar a uma conclusão sobre a informação recebida”, disse Jim Taylor.
Novas táticas dos educadores
Assim, muitos educadores têm adotado a tática de dividir as lições em partes menores. “Uma ideia comum entre os professores é que algo mais curto é melhor”, disse Gail Desler, especialista em integração tecnológica do distrito escolar de Elk Grove, onde fica a escola da professora Erica Swift.
Outra tática de alguns professores, segundo Desler, é de iniciar aulas com exercícios de atenção plena ou de meditação. Dessa forma, os alunos precisam se concentrar mais.
Educadores se integram às novas mídias
O artigo da BBC também fala sobre professores que vão “ao encontro dos alunos” no YouTube e no Instagram. Por exemplo, há professores que publicam vídeos seus no YouTube com experimentos científicos. Além disso, usam os vídeos nas aulas para ilustrar o material no livro didático.
Laura Schad procura manter seus alunos dedicados às tarefas com lembretes no Instagram sobre o dever de casa e as próximas atividades.
Desler cita iniciativas como a de professores que relacionam a história da propaganda nazista ao cyberbullying, por exemplo.
“Trata-se de introduzir informações relevantes em um currículo obrigatório, de maneira que os alunos se vejam refletidos no que é ensinado. Ao fazer conexões com coisas que estão acontecendo aqui e agora, você entra no mundo deles e os envolve”, afirmou Desler.
Vídeos tomam o lugar dos livros
De acordo com um estudo de 2018 da Pearson, os alunos da geração Z evitam os livros. Para eles, os vídeos são a fonte preferida de informações, atrás apenas dos próprios professores. Por isso, ao se inserirem nos meios dos quais as crianças já participam, os professores podem captar melhor sua atenção.
Ademais, a tecnologia pode ajudar a reparar danos à habilidade de leitura. Segundo Laura Schad, em sua escola na Filadélfia, os professores usam computadores lidar com as dificuldades apresentadas pelos estudantes. A plataforma de leitura da escola, a Lexia, adota elementos de videogames para estimular a participação.
Salas de aula tradicionais
No entanto, alguns estudos mostram que ambientes mais tradicionais são mais eficazes no aprendizado. Um estudo da London School of Economics apontou que jovens melhoraram quando escolas proibiram celulares em sala de aula.
Autor de The Learning Skills Cycle (“O Ciclo de Habilidades de Aprendizado”), o professor de neurociência William Klemm destaca um estudo de 2014 que apontou que anotações à mão ajudam alunos a reter mais informações em comparação com o uso de um computador.
Aprendizado misto
Até mesmo educadores que defendem o uso da tecnologia acreditam que os métodos tradicionais têm seu valor. E sugerem uma abordagem de “aprendizagem mista”.
“Tenho visto muita discussão entre acadêmicos nos últimos anos sobre se o formato de palestra é algo do passado e que deve ser extinto”, diz Katie Davis, professora da Escola de Informação da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. “Acho que isso se resume a se você acredita que existem habilidades valiosas envolvidas no processo de acompanhar um argumento complexo que é apresentado linearmente em tempo real”, completa.